Ataque durante celebração judaica na Austrália expõe como discursos de ódio ligados ao conflito Israel–Palestina se internacionalizamAtaque durante celebração judaica na Austrália expõe como discursos de ódio ligados ao conflito Israel–Palestina se internacionalizam

Ataque em Sydney mostra como antissemitismo e islamofobia cruzam fronteiras

2025/12/20 17:50

Por Carla Habif, da PUC-Rio.

O último domingo, 14 de dezembro, marcou o início da celebração de Chanucá, uma festividade judaica conhecida como a Festa das Luzes. Infelizmente, a data também foi atravessada pela violência. Durante uma celebração em Bondi Beach, em Sydney, na Austrália, judeus foram atacados, em um episódio que deixou 15 mortos e dezenas de feridos e que vem sendo tratado pelas autoridades como um ataque direcionado à comunidade judaica.

Esse ataque se insere em um contexto mais amplo de aumento da violência contra judeus em diversos lugares desde o final de 2023, quando a ofensiva de Israel na Palestina se intensificou de forma sem precedentes. Esse crescimento, no entanto, não se limita ao antissemitismo. No mesmo período, a islamofobia também aumentou de maneira alarmante em diferentes países, especialmente na Europa. Esses fenômenos revelam como o conflito entre Israel e Palestina não permanece restrito à região, mas se internacionaliza –e, com ele, se internacionalizam também diferentes formas de violência.

Como pesquisadora da transformação de conflitos e da atuação de movimentos não violentos em zonas de guerra, durante aulas e congressos sou frequentemente questionada sobre o que nós, enquanto comunidade internacional, podemos fazer para apoiar esses movimentos e suas ações. Costumo responder com algo que ouvi diretamente de uma ativista palestina que atua em um movimento não violento chamado Combatentes pela Paz, poucas semanas após o 7 de outubro de 2023: a 1ª coisa que podemos fazer é nos desvincular do discurso violento, que, assim como o próprio conflito, tende a se internacionalizar.

Conflito não é embate simétrico

Diferentemente das grandes guerras internacionais do século 20, os conflitos armados contemporâneos costumam ocorrer em territórios mais limitados. Esse é exatamente o caso de Israel e Palestina. Ao utilizar a palavra “conflito”, é importante deixar claro que me refiro a um confronto de interesses, crenças, narrativas históricas e à perpetração de um ciclo de violência –e não a um embate simétrico entre dois lados com condições equivalentes de luta. Ainda assim, uma das principais características desses conflitos contemporâneos é a facilidade com que se internacionalizam.

Esse processo ocorre de diferentes maneiras. O conflito se internacionaliza, em primeiro lugar, por meio dos atores envolvidos na produção e no comércio da indústria bélica, que alimentam o confronto com armas. A internacionalização acontece também em função dos grandes deslocamentos de pessoas que fogem da violência em busca de refúgio em outros países. Envolve ainda atores engajados em debates diplomáticos e de mediação e, talvez de forma mais rápida e eficaz, ocorre por meio da mídia. Com a expansão dos canais de comunicação, imagens, notícias e discursos produzidos em um determinado local passam a circular globalmente em poucos minutos. Nesse movimento, internacionaliza-se também a violência cultural, que tende a legitimar e aprofundar a violência direta.

Johan Galtung, fundador dos Estudos para a Paz como área acadêmica, apontou que para pensarmos em paz, devemos pensar na ausência de violência. Para isso, é necessário enfrentar todas as formas de violência presentes na sociedade. O autor desenvolveu o que ficou conhecido como o “triângulo da violência”, composto por 3 dimensões interligadas: a violência direta, a estrutural e a cultural.

A violência direta é a mais visível, aquela que gera mortos, feridos, destruição e deslocamentos forçados. A violência estrutural acontece e se perpetua de forma menos evidente, por meio de normas, valores e estruturas sociais, e se manifesta, por exemplo, nas desigualdades. A violência cultural, por sua vez, sustenta e legitima as outras duas, por meio de recursos como linguagem, educação, mídia, crenças religiosas e ideologias.

O antissemitismo e a islamofobia se manifestam historicamente nessas 3 formas de violência em diferentes partes do mundo. O ciclo de violência entre Israel e Palestina, a ocupação militar israelense e a atuação de grupos armados palestinos produzem, há décadas, repercussões internacionais que aprofundam essas dinâmicas. Mas nos últimos 2 anos esse processo tem se intensificado profundamente.

O risco da violência cultural

A condenação às práticas do Estado de Israel na Palestina, especialmente na Faixa de Gaza desde o final de 2023, tem gerado mobilizações ao redor do mundo, tanto por parte de governos quanto da sociedade civil, diante das graves violações de direitos humanos contra a população palestina, incluindo milhares de crianças.

Essas mobilizações são não apenas justificadas, mas necessárias para pressionar por mudanças efetivas. No entanto, elas se transformam em violência cultural quando passam a mobilizar vocabulários, imagens e narrativas moldadas por estereótipos e preconceitos históricos contra judeus. Culpar ou associar coletivamente judeus às ações do Estado de Israel, por exemplo, é uma das formas mais recorrentes dessa violência.

Processo semelhante ocorre em relação à prática da islamofobia. As imagens dos ataques de 7 de outubro de 2023, os sequestros de civis israelenses e os ataques subsequentes a civis em Israel por parte do Hamas geraram mobilizações internacionais em solidariedade às vítimas e às famílias afetadas –manifestações igualmente legítimas quando centradas na defesa dos direitos humanos. Ainda assim, em diversos contextos, essas mobilizações também deslizam para a violência cultural quando passam a associar muçulmanos, de forma generalizada, a grupos armados e práticas denominadas terroristas.

Além de resultar na perda irreparável de vidas, a internacionalização da violência cultural não contribui para reduzir a violência que ocorre nem na Palestina nem em Israel. Ao contrário, ela produz novas vítimas, reforça narrativas de ódio e aprofunda lógicas de inimizade. É profundamente simbólico que, durante o ataque em Bondi Beach, a pessoa que se mobilizou para desarmar um dos agressores, colocando a própria vida em risco, tenha sido um muçulmano, Ahmed al Ahmed, de 43 anos.

Internacionalizar as violências de um conflito não oferece respostas práticas a quem sofre diretamente com ele. A propagação de discursos violentos reforça violências culturais e estruturais e, aumenta, em última instância, a violência direta, agora em escala global. O assassinato de judeus em Bondi Beach neste último fim de semana, de Wadea al-Fayoume nos Estados Unidos em 2023 e de tantas outras pessoas não interrompeu a violência sofrida pelos palestinos, nem pelos israelenses. Mas perpetrou ódio, extremismos e narrativas dualistas.

Volto, então, à fala da ativista palestina que ouvi poucas semanas após o 7 de outubro de 2023. Apoiar o fim da violência exige que a sociedade internacional desengaje de discursos violentos. Quando esses discursos são reproduzidos, a mobilização internacional compromete sua capacidade de proteger civis e pressionar por mudanças concretas.

A atuação internacional em defesa dos direitos humanos e da paz não pode se sustentar na propagação de estereótipos, preconceitos históricos ou narrativas que desumanizam coletivos inteiros. Esse tipo de mobilização não protege quem sofre diretamente com a violência nem interrompe o conflito. Ao contrário, ele produz novas vítimas, desloca o foco das violações concretas e fragiliza justamente aqueles que mais precisam de atenção, solidariedade e ação internacional efetiva.


Este texto foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o texto original aqui.

Oportunidade de mercado
Logo de AO
Cotação AO (AO)
$5.219
$5.219$5.219
-0.11%
USD
Gráfico de preço em tempo real de AO (AO)
Isenção de responsabilidade: Os artigos republicados neste site são provenientes de plataformas públicas e são fornecidos apenas para fins informativos. Eles não refletem necessariamente a opinião da MEXC. Todos os direitos permanecem com os autores originais. Se você acredita que algum conteúdo infringe direitos de terceiros, entre em contato pelo e-mail [email protected] para solicitar a remoção. A MEXC não oferece garantias quanto à precisão, integridade ou atualidade das informações e não se responsabiliza por quaisquer ações tomadas com base no conteúdo fornecido. O conteúdo não constitui aconselhamento financeiro, jurídico ou profissional, nem deve ser considerado uma recomendação ou endosso por parte da MEXC.